terça-feira, 6 de novembro de 2012

The thing - 1x02


– Uma chave? Mas pra que RAIOS uma chave? Porque esperar até o Ano Novo para então encontrar uma chave? Se ela ao menos abrisse uma caixa com o disco dos Beatles ou a coleção do Shakespeare...
Catarina, decepcionada, joga a caixa em cima da mesinha e, sem perceber, a deixa rolar e cair debaixo da cama. Inventa um sorriso e volta pra festa.

~

“Os dias se passaram rápido, como um sonho...”, o rádio relógio gritava a música de Nenhum de Nós enquanto Catarina tentava organizar as ideias e se situar em que dia estava. Na porta do quarto um aviso: “Faça seu café e pegue o dinheiro para os livros na estante, boa aula. Mamãe”.
– Ai meu Deus! Hoje já tem aula?
Levantou da cama, numa correria tomou banho, se vestiu, tomou café. Achou que seria uma boa ideia usar o colar que ganhara de uma prima, considerava seu amuleto da sorte e quando foi colocá-lo deixou o pingente cair embaixo da cama. Passa a mão pelo chão tentando encontrá-lo e acaba por pegar uma pequena caixa; sentada no chão tentava lembrar que caixa era aquela e o que fazia debaixo de sua cama.
– Ah, a chave. – Lembrou-se do ano novo e da frustração que foi abri-la e ver somente uma chave dentro dela.
Quando de repente viu sair outra tampa, como se guardasse um fundo falso, pegou a caixa e encontrou uma folha já amarelada. Desdobrou-a cuidadosamente e quando ia começar a ler o despertador tocou novamente: era hora de ir embora. Dobrou o papel e o guardou na caixa que deixou em cima da mesa de cabeceira, certificando-se de que não cairia de novo embaixo da cama.
Sem amuleto, sorte ou disposição tinha certeza que seu dia não seria nada agradável. As aulas se arrastavam e Catarina não parava de pensar na caixa, na chave, na folha...
– A folha. – Pedro balançava a lista de nomes. Meio sem jeito Catarina ergue os olhos e sem-querer-querendo esbarra nos olhos de Pedro e o fita por tanto tempo que sente seu rosto corar quando ele repete impaciente: – A folha, pra você assinar.
– Ah, desculpe, não tinha visto. – E se pergunta o porquê de tanta grosseria, afinal eles nem se conheciam. Sem dar muita importância voltou a pensar na caixa e no que estaria por vir depois que o tal papel fosse lido.
Catarina nunca foi muito hábil quando se tratava de fazer novas amizades, mas não se importava muito com isso.  Talvez não fosse preciso esforços quando a amizade tivesse que acontecer, pensava ela.O sinal do intervalo indicava que era a hora das conversas começarem, dos novos grupos se formarem. Em dias frios os alunos quase não saiam das salas e faziam delas pátios para troca de conversas, interesses e desafetos.
“Dizem que a vida é cheia de altos e baixos. Mais baixos do que altos, como você pode ver pela minha própria vida. Mas quando tudo estiver ruim, lembre-se destas duas letras que formam uma palavra: GO. Vá. Vá em frente.”
Mergulhada nas palavras e ensinamentos que Nick tentava passar, Catarina apertava o livro em suas mãos e devorava as páginas sem ver o tempo passar e, por poucos minutos, conseguia parar de pensar no que a esperava em casa. “Escreva, desenhe, pinte, fotografe, dance, costure, atue, cante. Portanto, quando estiver ruim, lembre-se destas duas letras que formam uma palavra. GO. Vá. Vá em frente. Apenas faça...”.
– É Catarina, o nome dela! – Cochichava Mariana, sem conseguir ser muito discreta.
                – Como é que você sabe? A menina acabou de chegar, Mariana! – Diz Rodrigo, que sempre discorda de tudo que ela fala.
                – Quem? Quem é Catarina? – Perguntava Pedro, puxando uma cadeira para participar da conversa.
                – A menina novata... – Responde Mariana, enquanto puxa a cadeira para sentar perto de Pedro.
                – Ah, é Catarina o nome dela? A desligada, né?  – Responde Pedro, levantando para tomar o chiclete da mão de Rodrigo. – Mas como é que você sabe o nome dela?
                – Ela sentou no meu lugar, você não percebeu? – Mariana diz, demonstrando ciúme.            
    – Hm... – Pedro resmunga sem dar muita atenção.
                – Pra acabarem as dúvidas, vou perguntar... – Rodrigo levanta e senta na cadeira a frente da de Catarina, olha para o livro em suas mãos e de imediato diz: – “Just people can save people”?             
                – Não, só você pode salvar a si mesmo.
                O silêncio entre eles durou três segundos.
                – Rodrigo, o garoto que vai lhe salvar.  – Ele diz, sorri e estende a mão para Catarina.
                – Catarina. – Ela sorri e afasta os cabelos dos olhos.
                – Catarina... Você é nova na cidade ou só mudou de escola? Meus pais são separados, os seus moram aqui com você? Você tá gostando da cidade? Já tem planos pro fim de semana? Vai ter um show da banda dos meninos na praça...
                – Você sempre assusta os novatos assim? – Pedro pergunta e puxa Rodrigo pelo braço deixando-o meio sem jeito ­– Vamos deixar a garota respirar, com licença. Catarina sorri.
                O sinal já tem tocado sem que eles percebessem e o professor já começava a gritar: GRUPOS DE TRÊS! GRUPOS DE TRÊS! NA ORDEM DAS FILAS! VAMOS GENTE, NÃO ESTÃO ESCUTANDO?! E rapidamente os grupos se formam, deixando algumas pessoas não muito felizes...
                – Mas Samantha sempre fica no nosso grupo, Rodrigo é quem gosta dos novatos... – Mariana reclamava com Pedro sem perceber que Catarina percebia.
                – Mariana, deixa de drama! Não quer ficar com a novata, troca de grupo! – Pedro sem muita paciência arrasta a cadeira e senta do lado de Catarina e em seguida Mariana faz o mesmo.
                – É Catarina, né? – Pedro pergunta e estende a mão para cumprimentá-la. – Pedro.
                Sem muita demora Mariana tenta mudar o clima de inimizade que ela criara há segundos e ensaia um sorriso sem muito sucesso pra Catarina.
                – Então vamos começar, né? – Mariana diz.
                As discussões a respeito do assunto começavam a irritar Mariana, principalmente pelas ideias de Catarina serem sempre compatíveis com as de Pedro, que propositalmente ia de contra a qualquer afirmação ou questionamento dela. E assim a aula se passou e quando o sinal tocou foi como um alívio pra Catarina que quase sufocava no jogo psicológico de Pedro e Mariana de quem-afeta-quem. Arrumando seu material Catarina escuta Pedro comentar com Rodrigo: – Ela não é tão chata quanto eu pensei. – Sorri e sai da sala pensando, novamente, no papel que deixara em casa mais cedo.
                Chegando em casa Catarina se apressa em subir as escadas, tranca a porta do quarto, joga a mochila no chão, senta na cama e abre a caixa outra vez. Desdobra cuidadosamente o papel e começa a ler.

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