A
semana passou rápido, Pedro não apareceu na escola, Mariana aparentava estar
reagindo muito bem a situação dramática que havia vivido. Rodrigo e Catarina
estavam um pouco distantes desde que o assunto de suas conversas se resumia ao
comportamento estranho de Pedro e um jogo infantil de Rodrigo de querer
esconder os assuntos voltados à sua história com Luíza. Seria mais uma noite de
sábado solitária, não fosse um telefonema inesperado de Marcelo pra interromper
o tédio natural.
– Pois
é, é que a gente vai se encontrar daqui a meia hora na praça, pensei em passar
pra te buscar.
Mesmo
estranhando o convite não podia recusar e ficar a noite em casa pensando
qualquer bobagem qualquer, resolveu ir.
– Ah...
tá, então eu pode vir sim, vou me trocar e te espero.
Quando
chegaram, o pessoal da banda e algumas meninas da sala já estavam lá, Rodrigo
viu os dois chegarem e ficou até espantado por ver que Catarina também tinha
vindo. Não se cumprimentaram, não trocaram sorrisos... nada. De início Catarina
encarou isso numa boa, os meninos começaram a tocar, contar piadas e tudo o
mais... A noite estava animada, estavam se distraindo. Mas depois começou a
ficar desconfortável e decidiu ir pra casa. Não tinha muito o que fazer a não
ser deixar que esse clima tenso de desfizesse, não tinha pra quem ligar, com
quem conversar.
Deitou-se
na cama e viu o diário dentro de sua bolsa, se lembrou da resposta que recebera
outro dia. A essa altura do campeonato não sabia mais o que o misterioso
destinatário pensava ou queria a respeito do que ela havia enviado. Não
compreendia tamanha variação de humor, de aceitação e gentileza que viu na
carta. Pensou em responder, dizer que não ficou feliz com a agressividade, mas
que estava infeliz com essa mudança brusca de tratamento... Acho que soaria
muito louca, resolveu esperar um pouco antes de escrever de novo, talvez
estivesse brincando com ela.
Folheou
o diário sem muita vontade, quis ter alguma coisa de interessante pra fazer...
Não teve. Na verdade estava muito triste com o fato de estar distante assim de
Rodrigo, ele era o único amigo que tinha em Belluno, a única pessoa com quem se
abriu de verdade, com quem conversou sobre quase tudo. Não podia se dar ao luxo
de perder a amizade dele assim, por nenhum grande motivo aparente.
No
caminho encontrou Rodrigo conversando com Luíza na praça, sem que pudesse ser
vista ficou observando a conversa de longe, ele tenta explicar pra Luíza que
talvez ainda haja jeito, que as coisas não podem acabar assim e outros argumentos
semelhantes de quem quer provar que vale a pena ficar, mas ela resistia e
demonstrava estar decidida a ir embora da vida dele. Mesmo de longe, mesmo
estando magoada com as atitudes que Rodrigo vinha tomando, Catarina não podia
evitar ficar triste com aquilo. Era visível o sofrimento de Rodrigo, não
compreendia o porquê d'ele esconder essa história dela, o porquê de sempre
fugir do assunto, mas percebeu que ela mesma havia agido errado querendo
ultrapassar os limites dele.
Segue
pra casa secreta, coloca o toca discos pra tocar, logo de cara os Beatles
cantarolando: "Are you sad because you're on your own? No, I get by with a little help from my
friends..." Era exatamente o que Rodrigo precisava, de companhia,
de amizade, de compreensão, mas seu egoísmo e curiosidade não a deixaram
enxergar.
Não
sabia como agir, se ligava pra ele ou se colocava em si mesma a culpa de ser
tão idiota a ponto de não se preocupar com os sentimentos dele, embora nenhuma
atitude dela justifique as grosserias que ele lhe disse ou o modo como a tratou
no sábado a noite. Sabia que os dois haviam errado, mas não estava em uma
competição a fim de saber quem era o certo ou errado.
Enquanto
folheia um dos livros, deitada no tapete, uma frase de William pra confirmar
sua decisão: “Eu aprendi que meu melhor amigo vai me machucar de vez em quando,
e que eu tenho que me acostumar com isso. Que não é o bastante ser perdoado
pelos outros, eu preciso me perdoar primeiro.” Pensou em contar pra alguém tudo
que estava passando, as confusões que estavam em sua cabeça, quis um conselho
sobre a situação dela com Rodrigo, mas percebeu que não tinha mais ninguém, só
ele. Pensou também em lhe contar sobre o diário, sobre tudo que estava
descobrindo, que talvez fosse bom ter alguém pra ajudá-la a procurar, alguém
pra desabafar... Mas desistiu de imediato, quando pensou que talvez as
respostas que recebeu fossem somente uma brincadeira.
No caminho pra casa liga pra
Rodrigo, pede pra vê-lo na praça e ele aceita o convite. Depois de muita
conversa, de mútuos pedidos de desculpas, de explicações e alguns sorrisos
bobos, Rodrigo lhe conta sua história com Luíza. Explica detalhe por detalhe a
relação complicada que tiveram desde a época que os pais dela proibiram o
namoro até o dia que ele suspeitou que ela estava o traindo numa de suas
viagens de férias.
Um ano e meio de namoro, contando
com brigas e separações. Há seis meses Luíza resolveu acabar e aparentemente
superou tudo muito bem, Rodrigo em contrapartida ainda a amava como se nada
houvesse mudado. Catarina fica impressionada com a intensidade e veracidade de
tudo que ele contava com os olhos cheios de lágrimas. Rodrigo é o cara que está
sempre sorrindo, fazendo alguma piadinha ou alguma crítica a todo e qualquer
assunto, sem desanimar ou dar o braço a torcer pra qualquer preocupação que
seja e, agora, vê-lo em prantos, querendo lutar por uma causa perdida era de
cortar o coração.
Envolveu Rodrigo em um abraço
apertado, onde ficaram por cerca de 3 minutos, ele ainda em lágrimas, ela com o
coração aliviado, embora estivesse triste com o estado dele. Pensava agora em
tudo que significava ter raízes, ter pra onde voltar depois de uma briga,
depois de uma confusão qualquer, depois de perceber que o mundo está mesmo
conspirando ao seu favor, que seu amor lhe deixou, que você foi mal no
trabalho, que machucou alguém especial, que fracassou em alguma coisa, que
conquistou o cargo do mês. É dentro de um abraço o melhor lugar para se voltar
depois de uma aventura, de uma desilusão, de uma jornada qualquer.
~
Na
segunda feira Rodrigo não apareceu, disse que ia levar a avó no médico, o
cachorro no veterinário e outras três desculpas que o impediriam de esbarrar em
Luíza pelos corredores da escola e, assim, piorar sua recaída emocional do fim
de semana.
Marcelo entrou e sentou do lado
de Catarina, nas mãos um embrulho de presente um pouco amassado.
– Marcelo...
– Só abra, é uma coisa boba,
assim que vi lembrei de você e resolvi trazer, é irrecusável.
– O Pequeno Príncipe?
– Exato, as citações que te falei
outro dia são todas dele, você vai lembrar no decorrer da leitura... A capa é
um pouco infantil, mas você vai gostar, tenho certeza.
– Sei, você tem que se responsabilizar de que é
um bom livro, caso eu tire nota baixa na prova de sexta porque fiquei lendo
invés de estudar.
Marcelo sorri e pega nas mãos
dela, segura o livro e abre na contra capa, onde aponta uma dedicatória escrita
com sua letra perfeitamente delineada enquanto diz:
– Como o próprio lhe ensinará,
minha cara: "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que
cativas", mas se o problema é a prova de matemática eu tenho as tardes
livres pra te ajudar. – Catarina sorri
enquanto Marcelo desliza as mãos da sua soltando o livro. O professor entra na
sala, página 122, Movimento Retilíneo Uniforme... Enquanto todas as borboletas
no estômago dos dois seguem movimentando-se uniformemente variadas.
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