quinta-feira, 15 de novembro de 2012

#4 Depois do Solo de Guitarra...






Sentimos sempre essa necessidade esquisita de por a culpa em alguém. Tudo que acontece pra nós tem que ter um culpado, mas porque tem que ser assim? Porque as coisas não podem simplesmente dar errado, sem que se tenha um responsável.  Ao invés de tentar arranjar culpados para os erros deveríamos arranjar soluções.

         Damian acordou meio desnorteado, normal, afinal ele tinha ficado apagado por um bom tempo. Ele olhou em volta, percebeu que estava num hospital, se apoiou pra tentar se sentar, mas sentiu o ombro. Ele olhava para as paredes brancas e elas contavam a ele o que havia acontecido em riqueza de detalhes, os sons, os cheiros e a dor. Eram mais ou menos umas três horas da madrugada, dois dias depois do acontecido. A bala tinha se esmiuçado dentro do ombro do Damian, e foi preciso realizar uma cirurgia. Ele não conseguia pensar direito, mas concluiu que ainda estava sobre efeito da anestesia. As horas foram passando e o efeito da anestesia foi diminuindo, e ele foi conseguindo somar os fatos. Pensar sobre o acontecido doía mais que a ferida da bala.

Quando amanheceu ele recebeu a visita da enfermeira, e perguntou sobre Gabriela. Ela informou que ela estava em outra ala, pois estava em estado de choque, sem dizer uma palavra há dois dias. Ele pensou. “Ainda bem”. Se ela falasse poderia prejudicar não só o Damian, como ela também. A enfermeira disse que logo a tarde ela viria visita-lo. Algumas horas depois, chegou a família dele. Sua mãe estava calada, e apenas perguntou se ele estava bem, mas guardava no rosto um ar de decepção. Damian permanecia calado, e não parava de pensar no que aconteceria com a sua vida agora. Tudo parecia um quebra-cabeça, e ele estava tentando montar o panorama melhor possível. A tarde chegou, junto com a Gabriela, que vinha numa cadeira de rodas. Ela estava com olheiras, e com a mesma cara de antes. A enfermeira deixou ela de frente pra maca do Damian e ela ficou olhando pra ele, com uma cara de “Desculpa?”. Damian pegou a mão dela, e pediu que ela se acalmasse. Nada ia acontecer com ela. Disse ele. Ela saiu da cadeira e ficou na cama com ele, um bom tempo. Damian dormiu um pouco. Quando acordou, ela já não estava lá, e ele achou engraçado, mas ele sentiu falta dela. Seus pais apareceram mais uma vez, e pela noite a delegada. Ela entrou, e perguntou como ele estava sentindo-se. Damian respondeu.  - Estou bem melhor. Ela começou a falar.

– Damian, a Gabriela não fala nada sobre nada. A gente já tentou. Você sabe que o Frederico morreu né? Então a gente precisa saber o que aconteceu.         Damian sentou-se respirou fundo e começou a falar, calmo e pausadamente.

- Eu fui encontrar com a Gabriela no lago. Como o Frederico gostava muito dela, eu fui informa-la que não poderia ficar com ela. O Frederico não gostou, e apareceu lá com uma arma. Eu fui tentar desarma-lo, ele atirou em mim, eu tirei a arma de suas mãos. Nós começamos a brigar, ele bateu a cabeça numa pedra do chão, pegou a arma mais uma vez, dessa vez eu tomei das mãos dele, antes que ele matasse a Gabriela, e tive que atirar nele. Como estava em estado de choque não me controlei e continuei atirando.
A Delegada ficou um tempo calada. Olhando pro Damian, que fazia agora uma cara de inocente. E ela ficava pensando por que uma pessoa contaria que é culpado com tanta calma. Ela fez mais algumas perguntas, e Damian as respondia quase que instantaneamente. Ela saiu já tarde. E Damian ficou pensando nas possibilidades. Ele estava encarando tudo como um jogo, e que nesse momento era tudo ou nada, por isso deveria fazer uma aposta alta, mas arriscada. Havia concluído pela tarde que era melhor não deixar que a culpa caísse sobre Gabriela, afinal ela não tinha nada haver com o fato d’ele ser um desastre como amigo, e de ter transformado um menino de família que queria ser um médico, em um assassino passional. Pensou bem, e resolveu que ele que deveria ser punido, afinal, quando todos tivessem um vilão para odiar, ficariam satisfeitos e a história do assassinato do lago cairia no esquecimento e como todos já o odiavam... Mas também pensou em outras coisas, como em deixar claro que a morte do garoto foi dada em legitima defesa diminuindo assim as contas pro seu lado, ao menos do lado da justiça. E depois de pensar bem no que tinha feito, e no que ainda ia fazer foi dormir mais um pouco. O outro dia nasceu, e a mãe do Damian, chegou mais falante, ela não falou nada sobre o depoimento dele. Mas era possível entender, que ela estava aliviada, pois pensava que o Damian que tivesse matado o Frederico por causa da Gabriela. Legitima defesa, não é grande coisa, mas é bem melhor que assassino confesso.

Damian tomou um banho, trocou as ataduras, e foi liberado para ir pra casa. Logo quando chegou, foi visitar a Gabriela. Como é de se esperar, ele não foi muito bem recebido. Perguntaram o que ele queria ali, ele disse que precisava conversar com todos eles, sobre o que aconteceu. Ele entrou no quarto da Gabriela, e levou com ele os pais dela, lá contou o que realmente aconteceu naquela noite, e disse também o que tinha dito no seu depoimento. Pediu o silêncio deles, para a proteção da Gabriela, e eles já pareciam gostar dele mais um pouco, claro né. Quando ele estava terminando de explicar tudo, Gabriela gritou. –Não!! Todos no quarto se calaram e olharam assustados para ela. Ela continuou. – Você não vai pagar por uma coisa que eu fiz, eu não vou poder conviver com isso! Damian pegou as mãos dela e falou. – Gabriela, eu pensei muito bem no que estou fazendo. Eu ainda sou menor de idade, e você já é maior de idade. As consequências serão bem maiores pra você. Então é melhor eu ter que fazer algum serviço comunitário ou pagar uma multa, do que você na flor da idade ser presa. Ela calou-se. Damian saiu de lá com a sensação de dever cumprido.

Agora ele iria se encontrar com o Conselho Tutelar, este estabeleceria uma pena para ele. Já que foi em legitima defesa, ou mais ou menos isso. Ele não iria pra nenhuma casa de correção pra trombadinhas ou coisa parecida... Ele estava feliz apesar de tudo. Mas ele não tinha contado com uma hipótese: Os pais do Frederico e os seus advogados bem pagos.

         Damian foi dormir e no outro dia logo cedo, partiu pro Conselho Titular, ele estava calmo, e confiante no que ia acontecer quando foi chamado para entrar e viu dentro da sala, sentados do outro lado da mesa os pais do Frederico, que o olhavam com muita raiva, todo o seu semblante de calma cessou-se. Os planos todos podiam falhar, e o seu futuro agora, era incerto.


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