sábado, 17 de novembro de 2012

#5 – Vem o Solo da Bateria.



Damian sentou-se a mesa, sob o olhar de ira dos pais do falecido. O conselheiro tutelar ficou lá lendo alguns processos, e no final acabou não havendo consenso algum. Damian acabou saindo prejudicado, pois segundo os pais do Frederico todo o acontecido era culpa dele. Damian iria ser indiciado por homicídio. E nem ele nem a mãe dele tinham dinheiro pra proteger a sua versão dos fatos. Já os pais do Frederico trouxeram um dossiê completo e falavam só o que o advogado deles deixava. Era quase certo que a culpa cairia nas costas do Damian, o que não se sabia era o tamanho de suas consequências. Saiu de lá desolado e pensativo sobre as suas escolhas. A angústia que o tomava era indescritível. Ele sentia seu futuro escapando das suas mãos, o mesmo sentimento de perder o chão, ele tinha apostado o que não tinha e agora ia pagar as consequências. A vida era realmente um jogo e ele não soube jogar. Seguiu caminhando a beira da estrada, lentamente, de cabeça baixa. Já era noite, e as pessoas voltavam para suas casas e viam aquele vulto andando. Ele chegou naquela velha padaria que havia em frente ao seu colégio e se sentou na calçada. Ficou ali, abraçou-se com suas pernas, como alguém que esta pulando dentro d’água. Seu coração doía, e cada respiração dele era um prenuncio de um choro, por mais que ele não quisesse lembrar, por mais que ele não quisesse chorar, quisesse permanecer frio ante aquilo tudo, ele não conseguiu. Chorou, mas não um choro escandaloso, um choro baixinho, quem passava pela calçada por perto dele escutava os soluços abafados. As lágrimas lavavam o seu rosto e ele permanecia calado, chorando.
Algumas horas se passaram e ele permanecia ali chorando e vendo as pessoas apontando pra ele, pensava no que havia dado errado, e no que ainda daria errado na sua vida. E então foi pra casa, entrou, não olhou no rosto dos pais, que certamente já sabiam do acontecido. Pois o conselho tutelar mantinha os pais dos envolvidos sempre informados. Ele entrou no quarto. Se deitou e agora sim, ele não pensava em mais nada, já não fazia mais planos sobre como sair daquela situação. Naquele momento ele só respirava, e sentia seu coração bater apertado no peito. Damian, como ainda era de menor, poderia ficar cumprindo algum trabalho social, mas ele estava preste a completar 18, e também já corria o risco de não ser intendido como defesa própria. Resumindo, ele estava ferrado.
O outro dia amanheceu e Damian nem havia fechado os olhos, ele tinha permanecido ali estático, sem nem pensar. Ele levantou-se, tomou um banho. E foi para a escola, e comum quando perdemos tudo ou todas as esperanças tentarmos ignorar os fatos eminentes e tentar voltar a velha rotina, mentindo para si mesmo. Ele chegou à sua classe, para o espanto de todos, que agora tinham um certo receio de falar com ele, e ele se divertia com isso, assustando as pessoas que o julgavam como um assassino. Ele entrou, e pediu pra um garoto que sentava na frente sair pra ele sentar, claro que com um educado “Por Favor”. O garoto amedrontado com o “assassino do lago” saiu rapidamente. Damian assistia às aulas com um sorriso largo no rosto, participava respondendo e perguntando, o que assustava todo mundo ainda mais. Mas depois do algumas horas, todo mundo começou a perceber que aquele era o mesmo Damian de sempre, ou parecia ser. Quando o intervalo tocou ele saiu, os corredores da escola se abriam para “o cara perigoso” passar. Ele se sentou na cantina e ficou lá como se esperasse algo. Depois de alguns minutos Gabriela chegou, parecia estar totalmente recuperada de tudo, deu um longo abraço no Damian e a alegria do rosto dele se desfez. Ele começou a conversar com ela sobre o que estava acontecendo, o rumo que as coisas estavam tomando. Ela o abraçou mais uma vez e com um olhar de Adeus, saiu. No coração dos dois havia uma angústia de dimensões gigantescas. É muito ruim você não ter ideia do que vai acontecer com a sua vida. E viver sobre a probabilidade de que alguém vai te arrancar dentre seus entes e pessoas queridas e te aprisionar em algum lugar não é muito bom. No outro dia, Damian compareceu como combinado ao Conselho Tutelar junto com seus pais, a fim de saber da decisão. Os pais do Frederico não compareceram, mas mesmo assim o responsável pelo caso chegou. Ele chamou Damian e seus pais para uma sala e nesse momento Damian sentia muito frio, não por conta do clima, mas porque ele estava frio mesmo, estava branco. O conselheiro percebeu e pediu que trouxessem água pra ele. Com aquele típico olhar de médico disse para que ele se acalmasse, mesmo sabendo que ele ia se ferrar. Depois de algumas burocracias, foi diretamente ao ponto. Explicou que Damian seria encaminhado para uma espécie de prisão para menores, que eles davam um desses nomes toscos que o governo dá as coisas como: Lar do Garoto, Casa do Menor e esse tipo de besteira. Explicou que como o Damian completaria 18 no final do ano, e a pena máxima lá dentro era de dois anos, ele seria liberado, ainda este ano. Assinado os termos e tudo mais, o conselheiro foi com eles de viatura até a casa para que o Damian pegasse algumas coisas dele. Neste momento Damian estava calmo. Ele era sensato, nada mudaria o que estava acontecendo, então não precisava de nenhum drama maior. Ele se despediu da sua mãe e do seu pai que pareciam mais aliviados em saber que ele logo sairia. Entrou na viatura e iniciou a viagem mais longa da sua vida. Damian estava sendo encaminhado para uma unidade na cidade ao lado que ficava a pouco mais que 7 km. Mas pra ele pareceram 700. Ele olhava as árvores passando lá fora, e curtia seus últimos momentos de liberdade enquanto o conselheiro dava dicas de como ele se virar lá dentro. Ele não escutou nenhuma. Pensava sobre deixar seu computador, seu celular, suas músicas. Sobre deixar as coisas que ele gostava de fazer para ir pra um lugar onde ele não conhecia ninguém e ficar lá sem fazer nada. Dormiu. E algum tempo depois foi acordado, pois haviam chegado, o frio na sua barriga aumentou. Damian deu entrada com todos os seus documentos no almoxarifado. Lá na instituição, diferente de um presídio você pode usar as suas roupas, e não existem celas, e sim quartos, o prédio é que é bem cercado. A ideia inicial era que quem fosse pra lá ficasse recebendo atendimento de pediatras, psicólogos e pedagogos. Mas na verdade lá só havia o diretor e seus subordinados. Damian foi posto num dos quartos, onde já havia mais 4 pessoas. Eles ficaram calados e quietos enquanto o segurança apresentava a Damian a sua cama e apresentava as regras. Quando o segurança saiu, eles começaram a perguntar várias coisas a ele, coisas como “Te bateram?”, “O que tu fez?”. Damian, que estava um pouco assustado com aquelas caras novas e com o que poderia ser feito a ele, tentou criar uma reputação lá dentro, e disse. – Ah, eu matei um cara. Eles logo se assustaram. Damian estava bem vestido e não tinha cara de trombadinha, começaram a perguntar mais, e Damian começou a subverter os fatos ao seu favor. – Bom caras, ele estava afim de uma menina que eu gostava, ai eu dei cinco tiros na cara dele, me trouxeram para aqui, mas não dá em nada, estou feliz por eles não terem descoberto meus outros crimes... Eles pareciam encantados com o Damian, como se estivessem na presença de alguém que fez algo incrível.
Pra sorte do Damian, sua reputação começou a se instalar quase que repentinamente por lá. E para o seu azar, as histórias chegaram aos ouvidos de um tal de Diogo, um playboyzinho que estava lá preso porquê invadiu a conta do seu próprio pai  e roubar alguns milhões, para o azar desse Diogo, a polícia o descobriu, para a sorte dele, o dinheiro já estava na Suíça. Era um tipo de chefão lá dentro.
Anoiteceu e Damian foi tentar dormir sob um teto diferente do que ele tinha dormido por 17 anos. Uma experiência irritante. Ele se virava pra um lado, para o outro e não conseguia ficar confortável naquele colchão de espuma e com um cobertor fiapos, que esquentava sete vezes mais que o necessário, mas sem ele a pessoa congelava. Mas ele acabou pegando no sono lá pelas tantas da madrugada e sonhou com o dia em que ele ia sair. Pela manhã os caras o acordaram para ir tomar o café. Um pão sem nada, com um café, que era mais um chafé... Ele comeu meio que sem vontade, mas sabendo que não comeria nada até o almoço, e como ainda eram 7 horas, era bom comer pra ficar em pé.
Como não estava muito bem humorado, ele optou por ficar no quarto ao invés do pátio.
                   Damian estava começando a preferir bem mais está sonhando a está acordado. Mas logo ele entenderia que para continuar vivo, era preciso ficar bem acordado.


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