Damian
sentou-se a mesa, sob o olhar de ira dos pais do falecido. O conselheiro
tutelar ficou lá lendo alguns processos, e no final acabou não havendo consenso
algum. Damian acabou saindo prejudicado, pois segundo os pais do Frederico todo
o acontecido era culpa dele. Damian iria ser indiciado por homicídio. E nem ele
nem a mãe dele tinham dinheiro pra proteger a sua versão dos fatos. Já os pais
do Frederico trouxeram um dossiê completo e falavam só o
que o advogado deles deixava. Era quase certo que a culpa cairia nas costas do
Damian, o que não se sabia era o tamanho de suas consequências. Saiu de
lá desolado e pensativo sobre as suas escolhas. A angústia que o tomava era
indescritível. Ele sentia seu futuro escapando das suas mãos, o mesmo
sentimento de perder o chão, ele tinha apostado o que não tinha e agora ia
pagar as consequências. A vida era realmente um jogo e ele não soube jogar.
Seguiu caminhando a beira da estrada, lentamente, de cabeça baixa. Já era
noite, e as pessoas voltavam para suas casas e viam aquele vulto andando. Ele
chegou naquela velha padaria que havia em frente ao seu colégio e se sentou na
calçada. Ficou ali, abraçou-se com suas pernas, como alguém que esta pulando
dentro d’água. Seu coração doía, e cada respiração dele era um prenuncio de um
choro, por mais que ele não quisesse lembrar, por mais que ele não quisesse
chorar, quisesse permanecer frio ante aquilo tudo, ele não conseguiu. Chorou,
mas não um choro escandaloso, um choro baixinho, quem passava pela calçada por
perto dele escutava os soluços abafados. As lágrimas lavavam o seu rosto e ele
permanecia calado, chorando.
Algumas
horas se passaram e ele permanecia ali chorando e vendo as pessoas apontando
pra ele, pensava no que havia dado errado, e no que ainda daria errado na sua
vida. E então foi pra casa, entrou, não olhou no rosto dos pais, que certamente
já sabiam do acontecido. Pois o conselho tutelar mantinha os pais dos
envolvidos sempre informados. Ele entrou no quarto. Se deitou e agora sim, ele
não pensava em mais nada, já não fazia mais planos sobre como sair daquela
situação. Naquele momento ele só respirava, e sentia seu coração bater apertado
no peito. Damian, como ainda era de menor, poderia ficar cumprindo algum
trabalho social, mas ele estava preste a completar 18, e também já corria o
risco de não ser intendido como defesa própria. Resumindo, ele estava ferrado.
O
outro dia amanheceu e Damian nem havia fechado os olhos, ele tinha permanecido
ali estático, sem nem pensar. Ele levantou-se, tomou um banho. E foi para a
escola, e comum quando perdemos tudo ou todas as esperanças tentarmos ignorar
os fatos eminentes e tentar voltar a velha rotina, mentindo para si mesmo. Ele
chegou à sua classe, para o espanto de todos, que agora tinham um certo receio
de falar com ele, e ele se divertia com isso, assustando as pessoas que o
julgavam como um assassino. Ele entrou, e pediu pra um garoto que sentava na
frente sair pra ele sentar, claro que com um educado “Por Favor”. O garoto
amedrontado com o “assassino do lago” saiu rapidamente. Damian assistia às
aulas com um sorriso largo no rosto, participava respondendo e perguntando, o
que assustava todo mundo ainda mais. Mas depois do algumas horas, todo mundo
começou a perceber que aquele era o mesmo Damian de sempre, ou parecia ser.
Quando o intervalo tocou ele saiu, os corredores da escola se abriam para “o
cara perigoso” passar. Ele se sentou na cantina e ficou lá como se esperasse
algo. Depois de alguns minutos Gabriela chegou, parecia estar totalmente
recuperada de tudo, deu um longo abraço no Damian e a alegria do rosto dele se
desfez. Ele começou a conversar com ela sobre o que estava acontecendo, o rumo
que as coisas estavam tomando. Ela o abraçou mais uma vez e com um olhar de
Adeus, saiu. No coração dos dois havia uma angústia de dimensões gigantescas. É
muito ruim você não ter ideia do que vai acontecer com a sua vida. E viver
sobre a probabilidade de que alguém vai te arrancar dentre seus entes e pessoas
queridas e te aprisionar em algum lugar não é muito bom. No outro dia, Damian
compareceu como combinado ao Conselho Tutelar junto com seus pais, a fim de
saber da decisão. Os pais do Frederico não compareceram, mas mesmo assim o
responsável pelo caso chegou. Ele chamou Damian e seus pais para uma sala e
nesse momento Damian sentia muito frio, não por conta do clima, mas porque ele
estava frio mesmo, estava branco. O conselheiro percebeu e pediu que trouxessem
água pra ele. Com aquele típico olhar de médico disse para que ele se
acalmasse, mesmo sabendo que ele ia se ferrar. Depois de algumas burocracias,
foi diretamente ao ponto. Explicou que Damian seria encaminhado para uma
espécie de prisão para menores, que eles davam um desses nomes toscos que o
governo dá as coisas como: Lar do Garoto, Casa do Menor e esse tipo de besteira.
Explicou que como o Damian completaria 18 no final do ano, e a pena máxima lá
dentro era de dois anos, ele seria liberado, ainda este ano. Assinado os termos
e tudo mais, o conselheiro foi com eles de viatura até a casa para que o Damian
pegasse algumas coisas dele. Neste momento Damian estava calmo. Ele era
sensato, nada mudaria o que estava acontecendo, então não precisava de nenhum
drama maior. Ele se despediu da sua mãe e do seu pai que pareciam mais aliviados
em saber que ele logo sairia. Entrou na viatura e iniciou a viagem mais longa
da sua vida. Damian estava sendo encaminhado para uma unidade na cidade ao lado
que ficava a pouco mais que 7 km. Mas pra ele pareceram 700. Ele olhava as árvores
passando lá fora, e curtia seus últimos momentos de liberdade enquanto o
conselheiro dava dicas de como ele se virar lá dentro. Ele não escutou nenhuma.
Pensava sobre deixar seu computador, seu celular, suas músicas. Sobre deixar as
coisas que ele gostava de fazer para ir pra um lugar onde ele não conhecia
ninguém e ficar lá sem fazer nada. Dormiu. E algum tempo depois foi acordado,
pois haviam chegado, o frio na sua barriga aumentou. Damian deu entrada com
todos os seus documentos no almoxarifado. Lá na instituição, diferente de um
presídio você pode usar as suas roupas, e não existem celas, e sim quartos, o
prédio é que é bem cercado. A ideia inicial era que quem fosse pra lá ficasse
recebendo atendimento de pediatras, psicólogos e pedagogos. Mas na verdade lá só
havia o diretor e seus subordinados. Damian foi posto num dos quartos, onde já
havia mais 4 pessoas. Eles ficaram calados e quietos enquanto o segurança
apresentava a Damian a sua cama e apresentava as regras. Quando o segurança
saiu, eles começaram a perguntar várias coisas a ele, coisas como “Te
bateram?”, “O que tu fez?”. Damian, que estava um pouco assustado com aquelas
caras novas e com o que poderia ser feito a ele, tentou criar uma reputação lá
dentro, e disse. – Ah, eu matei um cara. Eles logo se assustaram. Damian estava
bem vestido e não tinha cara de trombadinha, começaram a perguntar mais, e
Damian começou a subverter os fatos ao seu favor. – Bom caras, ele estava afim
de uma menina que eu gostava, ai eu dei cinco tiros na cara dele, me trouxeram
para aqui, mas não dá em nada, estou feliz por eles não terem descoberto meus
outros crimes... Eles pareciam encantados com o Damian, como se estivessem na
presença de alguém que fez algo incrível.
Pra
sorte do Damian, sua reputação começou a se instalar quase que repentinamente
por lá. E para o seu azar, as histórias chegaram aos ouvidos de um tal de
Diogo, um playboyzinho que estava lá preso porquê invadiu a conta do seu
próprio pai e roubar alguns milhões,
para o azar desse Diogo, a polícia o descobriu, para a sorte dele, o dinheiro
já estava na Suíça. Era um tipo de chefão lá dentro.
Anoiteceu
e Damian foi tentar dormir sob um teto diferente do que ele tinha dormido por
17 anos. Uma experiência irritante. Ele se virava pra um lado, para o outro e
não conseguia ficar confortável naquele colchão de espuma e com um cobertor
fiapos, que esquentava sete vezes mais que o necessário, mas sem ele a pessoa
congelava. Mas ele acabou pegando no sono lá pelas tantas da madrugada e sonhou
com o dia em que ele ia sair. Pela manhã os caras o acordaram para ir tomar o
café. Um pão sem nada, com um café, que era mais um chafé... Ele comeu meio que
sem vontade, mas sabendo que não comeria nada até o almoço, e como ainda eram 7
horas, era bom comer pra ficar em pé.
Como
não estava muito bem humorado, ele optou por ficar no quarto ao invés do pátio.
Damian estava começando a
preferir bem mais está sonhando a está acordado. Mas logo ele entenderia que
para continuar vivo, era preciso ficar bem acordado.
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