Como podemos mensurar o tamanho da dor
que uma perda causa no coração de outra pessoa? Sentir saudades do que não vai
voltar nunca e terrivelmente pior do que apenas sentir a falta de algo que logo
teremos de novo. E a angústia passa a ser a maior companheira nesses dias de
saudade.
Depois
de alguns meses Damian tinha pouco se socializado com o resto das pessoas no
reformatório. Após esse tempo todo ele parecia ter virado uma pessoa ainda mais
amarga do que já era. Dirigia-se religiosamente para o pátio pela manhã, se
escorava em um pé de Jambo, já muito velho e que soltava muitas folhas, e
ficava lá pensando.
Os
dias se passavam e Damian ia se afundando em tédio, não havia nada para fazer
ali, apenas contar as horas para a próxima refeição, e quem sabe até assistir
uma briga de moleques metidos a traficantes. Alguns dos que estavam ali ficavam
conversando besteira o dia inteiro, para eles a vida ali era como um intervalo
do colégio, onde você fica comentando besteira ou alimentando uma piada
interna. Só que o intervalo acaba. E aquilo era quase eterno, e depois de um
mês conversando, os mesmos assuntos acabam e você acaba ficando mais calado.
Outros pediam para os seus parentes trazerem livros, esses recebiam visitas frequentes,
dos amigos e das namoradas. Depois desse tempo todo, Damian desenvolveu mais
ainda o seu estilo observador, mas aprendeu também a ser mais sucinto em suas
palavras e em suas ações, por que lá dentro, tudo que falamos e fazemos poderia
ser usado contra nós em algum momento. Ele entrava e saía como um gato dos
locais. Também procurava sempre entender como as coisas estavam acontecendo, e
quem eram as pessoas. O comportamento anterior dele de ficar dormindo o dia
todo não durou muito. Depois de alguns meses Damian começou a notar que algumas
coisas suas estavam sumindo, e depois começou as ver sendo usadas por outras
pessoas, ele resolveu pegar o bandido. Começou a se deitar, mas sem dormir,
apenas esperando a sua presa chegar. Damian, assim como todos lá dentro, era
uma bomba prestes a explodir, seu coração estava afogado em angústia, remorso e
dor. Ele já percebia que seus pais haviam o esquecido, pois não davam nem
sinais de vida. Então qualquer coisa, qualquer coisinha era motivo para se
irritar.
Damian
ficou deitado sem dormir por algumas semanas e já pensava em desistir quando um
dia ele percebeu alguém entrando no quarto, a principio achou que era mais um
dos meninos que ficavam por lá. Mas não era. A pessoa se aproximou dele, e
ficou lá parado. Damian estava deitado de olhos fechados, e apenas ouvia o que
acontecia no quarto. Notou a pessoa se debruçando sobre ele, e nesse momento
imaginou o pior, então agarrou a pessoa pelo pescoço com toda a sua força.
Quando a derrubou, abriu os olhos e notou que não era um interno, e sim o
diretor. Ele o soltou e pediu desculpas. O Diretor levantou-se alisando o
pescoço e disse que tudo bem, e saiu sem dar explicações. O Diretor Luttero, ou
apenas Lutter como era chamado havia chegado ao internato um pouco depois de
Damian, depois da morte trágica do antigo diretor. Lutter era uma pessoa calada
e observadora, um pouco severo e de olhar penetrante, sempre pareceu ter uma
espécie de marcação com o Damian, mas nunca houve um grande diálogo entre os
dois. Por isso Damian ficou bastante confuso sobre o ocorrido, e pensando além
do por que dele está ali, também se ele era o ladrão. Voltou a deitar-se, e
quando ia pegando no sono, outra figura entra no quarto, dessa vez mais
barulhenta, esse também para em frente a cama de Damian, mas não o observa por
muito tempo, pois logo se ouve ele mexendo na mochila. Agora Damian tinha
certeza de que tinha pegado o Diretor no ato. Quando se levantou de repente,
notou que quem estava ali não era o Diretor Lutter, e sim outro garoto. Eles
dois ficaram assustados, mas como Damian queria suas coisas de volta, não se
conteve e pulou em cima do “trombadinha”, o cara tentou sair correndo, mas
Damian o agarrou pela cintura e deu alguns chutes no seu abdômen. O garoto
ficou ali se contorcendo sem conseguir respirar, Damian respirou, abaixou-se e
colocou as mãos no pescoço do garoto e apertou. O garoto tentou tirar mas
quando ele aproximava as mãos, Damian aumentava a intensidade, aos poucos o
garoto percebeu que era melhor ficar parado. Damian disse pausadamente que se
ele fizesse aquilo de novo, ele veria as consequências. O garoto balançou a
cabeça positivamente e saiu.
Damian
sentou-se na cama, pensou no que havia feito e tentou entender porque estava
tão aliviado e feliz. Por um segundo toda a angustia e a incerteza sumiram do
seu coração, a adrenalina estava encharcando o seu cérebro e ele até esboçou um
sorriso. Estava feliz, deitou-se, e dessa vez finalmente dormiu.
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