quinta-feira, 22 de novembro de 2012

# 6 – A Realidade não é democrática.






         Como podemos mensurar o tamanho da dor que uma perda causa no coração de outra pessoa? Sentir saudades do que não vai voltar nunca e terrivelmente pior do que apenas sentir a falta de algo que logo teremos de novo. E a angústia passa a ser a maior companheira nesses dias de saudade.

Depois de alguns meses Damian tinha pouco se socializado com o resto das pessoas no reformatório. Após esse tempo todo ele parecia ter virado uma pessoa ainda mais amarga do que já era. Dirigia-se religiosamente para o pátio pela manhã, se escorava em um pé de Jambo, já muito velho e que soltava muitas folhas, e ficava lá pensando.

Os dias se passavam e Damian ia se afundando em tédio, não havia nada para fazer ali, apenas contar as horas para a próxima refeição, e quem sabe até assistir uma briga de moleques metidos a traficantes. Alguns dos que estavam ali ficavam conversando besteira o dia inteiro, para eles a vida ali era como um intervalo do colégio, onde você fica comentando besteira ou alimentando uma piada interna. Só que o intervalo acaba. E aquilo era quase eterno, e depois de um mês conversando, os mesmos assuntos acabam e você acaba ficando mais calado. Outros pediam para os seus parentes trazerem livros, esses recebiam visitas frequentes, dos amigos e das namoradas. Depois desse tempo todo, Damian desenvolveu mais ainda o seu estilo observador, mas aprendeu também a ser mais sucinto em suas palavras e em suas ações, por que lá dentro, tudo que falamos e fazemos poderia ser usado contra nós em algum momento. Ele entrava e saía como um gato dos locais. Também procurava sempre entender como as coisas estavam acontecendo, e quem eram as pessoas. O comportamento anterior dele de ficar dormindo o dia todo não durou muito. Depois de alguns meses Damian começou a notar que algumas coisas suas estavam sumindo, e depois começou as ver sendo usadas por outras pessoas, ele resolveu pegar o bandido. Começou a se deitar, mas sem dormir, apenas esperando a sua presa chegar. Damian, assim como todos lá dentro, era uma bomba prestes a explodir, seu coração estava afogado em angústia, remorso e dor. Ele já percebia que seus pais haviam o esquecido, pois não davam nem sinais de vida. Então qualquer coisa, qualquer coisinha era motivo para se irritar.

Damian ficou deitado sem dormir por algumas semanas e já pensava em desistir quando um dia ele percebeu alguém entrando no quarto, a principio achou que era mais um dos meninos que ficavam por lá. Mas não era. A pessoa se aproximou dele, e ficou lá parado. Damian estava deitado de olhos fechados, e apenas ouvia o que acontecia no quarto. Notou a pessoa se debruçando sobre ele, e nesse momento imaginou o pior, então agarrou a pessoa pelo pescoço com toda a sua força. Quando a derrubou, abriu os olhos e notou que não era um interno, e sim o diretor. Ele o soltou e pediu desculpas. O Diretor levantou-se alisando o pescoço e disse que tudo bem, e saiu sem dar explicações. O Diretor Luttero, ou apenas Lutter como era chamado havia chegado ao internato um pouco depois de Damian, depois da morte trágica do antigo diretor. Lutter era uma pessoa calada e observadora, um pouco severo e de olhar penetrante, sempre pareceu ter uma espécie de marcação com o Damian, mas nunca houve um grande diálogo entre os dois. Por isso Damian ficou bastante confuso sobre o ocorrido, e pensando além do por que dele está ali, também se ele era o ladrão. Voltou a deitar-se, e quando ia pegando no sono, outra figura entra no quarto, dessa vez mais barulhenta, esse também para em frente a cama de Damian, mas não o observa por muito tempo, pois logo se ouve ele mexendo na mochila. Agora Damian tinha certeza de que tinha pegado o Diretor no ato. Quando se levantou de repente, notou que quem estava ali não era o Diretor Lutter, e sim outro garoto. Eles dois ficaram assustados, mas como Damian queria suas coisas de volta, não se conteve e pulou em cima do “trombadinha”, o cara tentou sair correndo, mas Damian o agarrou pela cintura e deu alguns chutes no seu abdômen. O garoto ficou ali se contorcendo sem conseguir respirar, Damian respirou, abaixou-se e colocou as mãos no pescoço do garoto e apertou. O garoto tentou tirar mas quando ele aproximava as mãos, Damian aumentava a intensidade, aos poucos o garoto percebeu que era melhor ficar parado. Damian disse pausadamente que se ele fizesse aquilo de novo, ele veria as consequências. O garoto balançou a cabeça positivamente e saiu.

Damian sentou-se na cama, pensou no que havia feito e tentou entender porque estava tão aliviado e feliz. Por um segundo toda a angustia e a incerteza sumiram do seu coração, a adrenalina estava encharcando o seu cérebro e ele até esboçou um sorriso. Estava feliz, deitou-se, e dessa vez finalmente dormiu.

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